II Festa Literária Internacional da Chapada Diamantina - Virtual

Sobre o Evento

No curso de um rio pulsa a vida e, com ela, o discurso que materializa a linguagem. Na Chapada Diamantina, essa dinâmica não é diferente. Nas margens dos diversos rios que cortam o território, em meio a disputas históricas, os espaços foram se desenhando em meio às relações econômicas da mineração, ratificando-as ou as contestando. Dessa maneira, a criação de gado e a busca por diamantes criaram um civilização etnicamente diversa e culturalmente plural.

Quando houve o declínio da mineração, importantes parcelas da população foram se dedicando à agriculta e às atividades econômicas em torno desta, constituindo-se como comunidades que se converteram em cidades e municípios.

Como se percebe, as narrativas que se acumulam no acervo da história, seja ela oficial ou não, não cessam de fazer um curso, cujas continuidades, contingências e desafios podem ser metaforicamente lidas no curso das águas, que se esbarra numa pedra, que muda sua direção, que se avoluma em lagos e que, por fim, irrompe obstáculos com sua maleabilidade e destreza.

Dessa forma, no curso dessas águas moventes, enxergamos uma imagem potencial para retomar a história da I Festa Literária Internacional da Chapada Diamantina, cuja nascente se dividiu entre as cidades de Seabra e de Lençois, tendo no Campus XXIII seu primeiro minadouro. Essas águas se anunciaram como espaço de interlocução entre diversas margens da Chapada, banhadas de forma fértil e criativa pelos encontros de tantos rios culturais que por lá foram desaguar.

Silviano Santiago, em texto sobre a relação entre política e literatura, no qual define a literatura em termos anfíbios, propõe a imagem da cultura letrada no Brasil como um rio que corre por suas margens de pessoas com pouco ou nenhum acesso à leitura e ao livro. No interior da Bahia, a despeito da imensa diversidade cultural que define, por exemplo, o território da Chapada Diamantina, no qual coexistem diversas manifestações culturais, era em si uma dessas margens com suas culturas silenciadas ou sobrevivendo no imaginário coletivo de um povo marcadamente indígena e negro. Na paisagem atual do território, isso se revela nas inúmeras comunidades quilombolas e na (re)existência de povos indígenas que desafiam uma história genocida.

Por isso, desafiando o curso do rio da cultura letrada, o Campus XXIII da Uneb, ratificando seu compromisso com o ensino público e de qualidade, retoma o curso das águas que já banham muitos dos 24 municípios da Chapada na forma das festas literárias que, entre 2014 e hoje, se converteram em importantes cenários de celebração.

Da aridez deste singular ano de 2020, nós, Comissão Organizadora da II FLICH-Virtual, vislumbramos a necessidade de impulsionar correntezas que recusam as desigualdades históricas, entendendo, pois, a água e a leitura como direitos vitais e universais. Em ambas, encontramos fontes capazes de produzir a vida e de fazer ressurgir nosso anseio pelo futuro.

A II FLICH, nesse sentido, incorpora a linguagem do futuro. Este, por sua vez, nos impele a encontrar meios de manter alguma coesão enquanto a palavra da vez é o distanciamento. Faz-se, contingencialmente, virtual, mas nem por isso exclui os afetos e a (com)vivências que marcam as celebrações. Buscamos, nessa direção, celebrar importantes personalidades da cultura brasileira que comemoram, neste pouco festivo ano, seus centenários, a saber, Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto; além disso, comemoramos também os 120 anos de Anísio Teixeira. João Cabral, poeta por excelência, já havia buscado no rio uma metáfora para o discurso, ou ainda, para a ausência deste, traduzindo na materialidade da palavra o curso do rio. A imagem, além de recursar o senso comum, abre-se em polissemia, denuncia o risco das palavras fixadas, mudas, e situa o curso do rio como discurso-rio.

A II FLICH é, portanto, nosso discurso-rio que recusa o obstáculo, a calmaria das águas paradas, e pretende, em forma de celebração, invadir as margens: as que se mantêm limitando nosso curso e, ainda, aquelas nas quais teimam em nos situar. A sintaxe quebrada do poema cabralino, o fluxo de águas correntes da prosa ininterrupta de Clarice e a vitalidade das águas da inovação que Anísio defendeu como caminhos para educação do país, em nosso sonho, se somam e se avolumam como rios que cortam e que tocam as margens do território da Chapada Diamantina. O rio-FLICH segue, assim, seu curso, incorporando águas e banhando gentes. Afinal, em tempos que sonhar é um desafio, sonhamos a II FLICH como uma narrativa que se renova pelas águas que chegam e que correm em muitas direções como braços de um rio cuja força está no filete de água que lhe deu origem.

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