A medicina em Interface com a Literatura: Sobre o uso da narrativa oral no consultório

Sobre o Evento

Do ponto de vista das ciências exatas e biológicas, somos todos feitos de células e átomos, mas, do ponto de vista da Literatura, somos feitos de histórias (Galeano, Mia Couto 2015): histórias simples, complexas, alegres, tristes ou incompletas. Assim, para além do DNA que especifica cada corpo, as narrativas dos pacientes que adentram em nossos consultórios nos revelam aquilo que é específico de cada sujeito. Desviam nosso olhar e nossa escuta para o caminho percorrido por alguém; seu ponto de partida, suas angústias e, finalmente, sua chegada ao consultório onde tecerá outras narrativas, deveria se configurar como o ponto de partida mais importante na prática da medicina, pois, ao ouvirmos a história do paciente, entramos em conexão com ele, com seu mundo, seus medos, seu imaginário. É nesse momento que o vínculo médico-paciente se estabelece e, assim, damos a possibilidade de que o outro se expresse e nos comunique suas dores ou sintomas, ou seja, uma linguagem que será traduzida em outra linguagem.

Assim, entendemos que trabalhar com as narrativas orais do paciente, na medicina, a partir de uma perspectiva literária é de fundamental importância na formação de um profissional médico que visa compreender a estrutura e o sentido deste discurso de modo a ser mais empático e consciente da humanidade do outro e de sua própria, haja vista que estudos nos revelam que a linguagem, especialmente a narrativa, é o ponto de partida para o fortalecimento da relação médico paciente 1 Vejamos:

“A linguagem é, pelo menos na maior parte dos casos, o lance inicial no esforço de se estabelecer contato na prática médica” (CHARON, 2000....2J

 

Essa linguagem ouvida será transcrita, traduzida em termos técnicos pelo médico e em termos pessoais pelo paciente. E nesse espaço entre o que é ouvido e dito, se estabelece a distância maior ou menor, que permeará no encontro na dependência da sensibilidade e da capacidade de registro e compreensão do que foi dito de ambas as partes. Ao recorrer à literatura, como um dos esteios da formação médica, o docente traz à tona a tolerância presente na arte, a capacidade de não se limitar, de ampliar e respeitar as diferenças3.

A medicina é vista como ciência e arte, mas nos últimos tempos se afastou da arte ao cultivar sua vertente técnica. Esforços têm sido feitos a fim de criar pontes, que liguem novamente a ciência à arte, e uma dessas pontes é a literatura4. Outra são as narrativas, que compõem a rotina médica: narrativas escritas e orais, narrativas dos pacientes apropriadas pelos médicos e traduzidas em linguagem técnica5. Se não houver consciência dessa apropriação, e desse poder médico, a história do paciente deixa de ser dele, ele deixa de ser gente e passa a ser o caso clínico; passa a ser objeto de estudo e perde a voz e a identidade. Ao trazer a reflexão sobre a importância das narrativas e da literatura na formação médica, pode-se retirar esse véu que separa médico e paciente, e diminuir a distância entre esses indivíduos no encontro clínico. A importância não fica centrada no médico, mas na história que contém o médico e o paciente em um espaço outro de relação, alternativo e horizontalizado. 

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